30 abril 2012

7. A GRANDE ESCAPADA - parte 1

Atendendo inúmeros e insistentes pedidos, vou contar hoje como e por que fugi do hospital no meu último internamento. Antes de mais nada, preciso dizer que aqui em Genebra, terra calvinista, uma hospitalização não guarda muita diferença com uma detenção; hospital e penitenciária têm muitas coisas em comum. Os intelectuais vão logo lembrar de Foucault – ele tinha toda razão.

Em ambos você chega e é logo fotografado, medido e fichado. Todos os seus pertences são confiscados, catalogados e guardados para você pegar na eventualidade de sua saída. Uma pulseira com seu nome e número é colocada em seu pulso e não adianta querer tirar, não sai. Até hoje eu acho que a minha tinha um chip escondido que emitia um sinal que permite ao hospital localizar fujões pela cidade e diabéticos recalcitrantes em confeitarias e churrascarias.

Sobre a comida que servem aos coitados nesses dois pedaços de inferno eu já contei no meu primeiro post nesse blog e não quero mais pensar nisso para evitar acordar de madrugada pedindo em alta voz: - “um filé com fritas, por favor! só um filézinho.... será ninguém tem pena de um pobre prisioneiro esfomeado?” A comida insossa deve-se ao fato de terem sido os temperos confiscados na entrada, juntamente com suas roupas.

Falando em roupa, o camisolão que você é obrigado a vestir no hospital consegue ser pior do que o macacão dos presos. Azul-horrível, de risquinhas, veste-se como aquelas coisas que nos colocam em cabeleireiros. São amarradas atrás, mas você jamais vai conseguir fazer isso sozinho. Claro que é de propósito para te humilhar.

Humilhação que continua cada vez que você vai se sentar e puxa um pouco o camisolão para não te prender as pernas – e o distinto sai por um lado e mostra sua careca para embaraço de visitantes e pacientes. O pior é que você, meio dopado pelos medicamentos, pode não perceber e continuar calmamente a conversar com uma visita que não mais te olha nos olhos e está com a face hipervermelha. Você atribui isso ao calor terrível que faz naquele quarto fechado e não ao passeio de seu companheiro pelo espaço aberto inadvertidamente. Até você perceber o que está ocorrendo e tentar colocar o dito cujo de volta à sua reclusão camisolística, piorando a situação, é claro, quando ele, se recusar a voltar para debaixo do pano.

O tal camisolão é muito feio, desengonçado e desconfortável, mas cumpre a função de te identificar como interno em qualquer parte que você seja autorizado a ir. De qualquer forma, livrar-me desse vestuário e obter roupas civis passou a ser uma das prioridades do planejamento da minha fuga.

Tenho de admitir que eu sempre começei a planejar uma fuga antes mesmo de dar entrada, todas as vezes que fui preso, digo, hospitalizado. Mas nunca tinha tido oportunidade de realizar esse sonho, até ser internado para tratar de uma pneumonia da qual eu já tinha sarado, ou quase, antes do internamento. Eu me sentia bem, inteiro e disposto e não via razão para ficar ali, mas cedi aos argumentos da Mariângela, que delicadamente me dizia:
- “Ou você vai para o hospital ou quem vai sou eu!”.

Talvez eu estivesse dando algum trabalhinho para ela, mas essas mulheres são sempre terríveis quando vêm nos oferecendo opções. Você já sabe que vem chumbo quando elas começam uma frase em tom aparentemente tranqüilo e te dizem: “vou te dar duas alternativas”... pode saber que as duas serão ruins.

Minha médica cometeu esse mesmo crime de intimidação quando me falou, com vozinha de anjo-do-pau-oco:

- "Monsieur Simão, o senhor tem duas opções: ser hospitalizado ou cremado”.

Optei por ser hospitalizado.

Um comentário:

  1. Caro Simão, por aqui as coisas não são muito diferentes, não. Vi minha querida sogra de puseirinha na semana passada em um internaemnto de emergência! monitoramento de perto e comida esquisita. Mas sempre é pra "nosso bem". Aprisionada a uma cama, mas...... prisioneira? de jeito nenhum..... pediu pra tirar o acesso venoso que lhe atrapalhava....mas atrapalha porque? pergunta a enfermeira solícita.... e ela no alto de seus mais de 70 anos, ..... "ora pra usar o mouse"!! então não há prisão que segure certas pessoas, como ela... como você! fique bem!!! DE UMA PRIMA MUITO DISTANTE!

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