25 abril 2012

6. FOI DECRETADA A PRIMAVERA

Suíços são estranhos seres que imaginam que seus relógios permitem controlar o tempo. Que outro povo teria a pretensão de decretar o início da primavera?

Pois é: aqui a primavera começa oficialmente, por meio de um decreto do conselho municipal, que registra a data em um pergaminho especial guardado na sede do conselho. Esta data varia de ano a ano, caindo em algum dia entre os meses de janeiro a abril, como demonstram os registros anotados há mais de 200 anos (!)

Mas em que se baseia o conselho para decretar o começo desta estação do ano? Em análises astronômicas precisas, quem sabe? Em estudos meteorológicos? Ou talvez em cálculos matemáticos de seus cientistas?

Não. Nada disso. Baseia-se em uma árvore.

Todos os anos funcionários do conselho municipal observam diariamente um velho carvalho na cidade velha, em busca do primeiro botão, ou florescência. Binóculos e outros recursos são usados pelo time de funcionários em sua missão, feito ufologos procurando disco voador.

Quando finalmente um deles consegue observar o primogênito botão, detona uma reação em cadeia que vai envolver desde os dirigentes municipais até escolas e toda a imprensa local. O dirigente encarregado faz o anuncio oficial, as escolas disparam “projetos” sobre a estação e os jornais estampam na primeira página: “A primavera está oficialmente decretada!”

É interessante notar que desde que as observações começaram a ser registradas, em 1808, o famoso botão de carvalho tem aparecido cada vez mais cedo, indicativo prático e visível do aquecimento global: invernos mais curtos, verões mais longos, menos frio para quem curte (como eu) e mais calor para os doidos que gostam de ficar torrando neurônios ao sol.



Outro estranho hábito genebrino é o que as gerações mais velhas ainda demonstram, a toda hora e em todo lugar: cumprimentar estranhos com um irritante “bon jour”.

Para quê, isso? Você vai passando calmamente na rua, imerso em seus pensamentos, na esperança de ter alguma ideia aproveitável e quando está quase repontando aparece uma velhinha toda sorridente e tasca o seu “bon jour, monsieur!” Você é obrigado pelas circunstâncias a responder – e lá se vai a sua concentração. Que coisa!

Em uma vizinhança mais movimentada a sucessão ininterrupta de cumprimentos não deixa ideia alguma surgir na sua mente, totalmente dedicada aos falsos bons dias e boas tardes dados a pessoas que você não conhece e não faz nenhuma questão de conhecer. Falo por mim, é claro.

Tem gente que diz que se trata de um sinal da educação suíça. Eu já acho o contrario: é falta de educação deixar de manter uma distância regulamentar de 10 metros de outro transeunte e mais ainda dirigir-lhe a palavra quando não é um parente ou amigo íntimo.

Por isso comprei um daqueles enormes fones de ouvido que a meninada anda usando e saio com ele tapando as orelhas (e metade da cabeça). Nem tenho um iPod, mas isso as velhinhas não precisam saber: vão pensar que eu passei reto por elas, sem responder ao seu bon soir porque estava ouvindo musica.

* nota: esse truque pode ser usado com igual eficácia em filas, reuniões, festas, ônibus, barcos e aviões.

Tirando essas mal-educadas interrupções da concentração alheia, Genebra é uma tranqüilidade. Moramos há quase dois anos em um sobrado enfiado no meio de dois outros, coladinho mesmo – e até hoje não troquei nem um único bon jour com meus vizinhos. Já os vi de longe, mas mantive aquela distancia a que me referi e tudo bem. Se eu respondo eles podem dizer mais alguma coisa polida e pronto: já virou conversa, cruz-credo, isola!

Meu lema é, apropriadamente, “cada macaco no seu galho” – e eu no meu, bem longe, evidentemente. Nada de intimidades como dar bom dia ou (horror) perguntar “como vai”? Tem gente que leva a pergunta a sério e conta! E eu lá quero saber como vai o distinto? Melhor perguntar “para onde vai”, para não correr o risco de ir na mesma direção.

Nesse aspecto, não posso me queixar dessa pacatíssima vila. Para terminar a rabugice de hoje, vou reproduzir aqui a exata descrição da cidade feita por um diplomata brasileiro:

Genebra tem o dobro do tamanho do cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro - e metade da animação”.

Ótimo! Soa como música aos meus ouvidos, mesmo abafados por meus fones novos.

 * leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo

5 comentários:

  1. Ainda bem que você compartilha com a gente, seus colegas, conhecidos e amigos, suas vivências!

    Estamos, felizmente, a 10 mil quilômetros de distância e, calorosamente, juntos!!

    Talvez esta seja a fórmula ideal de convivência para rabugentos:))

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  2. hahahaha.. me identifiquei muito com o texto, Simão! Como boa curitibana, entendo muito bem o que é isso!

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  3. hhahahahahah... acho que seu paraiso pode estar no Japao, lá é falta de educaçao enorme perguntar como vai, porque eles ficam na obrigaçao de responder com a verdade, seja cual seja essa, ainda quando ele nao quer contar pra voçe da sua vida.

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  4. Mas é muito curitibano!!!!!kkkk

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  5. Tonho, da próxima vez que a velhinha passar, encare e veja se não sou eu, inclusive sorrindo! Beijo.

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