19 junho 2012

11. CALOR, BARULHO E VIZINHOS.



O verão já está começando a invadir a primavera. Horrível!!!

Alem do calor, detestável como sempre, com o verão vem toda espécie de praga: moscas, mariposas, pernilongos, vespas – e vizinhos.

Minha sorte com vizinhos é sempre estatisticamente exata: 50%. Onde quer que eu vá, sei que metade dos meus vizinhos vai ser gente decente, que fica na sua, em casa, sem querer amizade ou bate-papo furado. Mas metade vai ser insuportavemente extrovertida, amistosa, receptiva, alegre ... e barulhenta.

Nem aqui em Genebra eu consegui fugir dessa regra. De um lado temos (eu acho) vizinhos suíços: nunca os vejo, sequer os ouço. Perfeitos!
Do outro lado, porém, tenho um casal de ursos com dois ursinhos. Ou quatro marmotas. No inverno, acho que hibernam, pois não vejo ninguém colocar o nariz para fora, jamais. Esquentou um pouco, porém, e eles saem da toca, felizes e contentes, invadindo o próprio quintal, onde ficam dia e noite brincando com as crianças (onde já se viu!) conversando (não sei como têm tanto assunto) e fazendo churrasco, ou seja lá o que eles assam na grelha. O pior é que cantam e tocam violão e atabaques, numa mistura cacofônica de salsa, rumba, reggae, axé e aparentados. Muito barulho até para mim, que sou tão tolerante com isso.

Do lado oposto, continuavam silenciosos até a semana passada. Tão silenciosos que eu até pensei em dar uma olhada para ver se não tinha ocorrido um daqueles assassinatos em série, roteiro de tantos filmes e livros que se passam por estas bandas. J a tinha imaginado até um carro da polícia científica estacionando em frente de casa - que emocionante! Mas emprestei o estetoscópio da Mari, grudei na parece e consegui ouvir, bem distante mas claramente, sons de pessoas conversando. Alivio...

O sossego durou pouco, porém. Veio o início do verão e os meninos montaram sua mesa de pingue-pongue no quintal, bem embaixo (ou quase) da minha janela. E dá-lhe pingue de cá, pongue de lá, pongue-e-pingue-e-pongue por horas a fio... Ainda bem que, suiçamente, param de jogar e dobram a mesa antes das 22 horas. Não fosse isso, e talvez eu fosse capaz de implicar com eles - se fosse ranzinza como dizem. Como não sou, coloco tampões nos ouvidos, vou ler no porão e nem reclamo. Só resmungo.

São coisas como estas que me levam a detestar cada vez mais o verão. Eu realmente não compreendo as pessoas que ficam felizes quando  o sol mostra sua cara antipática, torrando peles e carecas e o céu esconde suas lindas nuvens onde ninguém as pode ver. O vento e a garoa, intimidados por tanto brilho, também se escondem e me deixam com saudades dos dias frios e cinzentos, muito mais civilizados.

Eu ia dizer “mais curitibanos”, mas lembrei que, para meu horror, sei de alguns curitibanos que também gostam de sol, calor, céu azul e todas as horríveis coisas que vêm junto com o verão. Renegados!

Desconfio que aqueles que gostam do verão, alem de não ouvirem bem (não se incomodam com o barulho) não têm o sentido do olfato muito desenvolvido também, pois parecem imunes aos “aromas” da estação - corporais e ambientais - dentre os quais se destacam o lixo com cascas de camarão e a nauseabunda combinação de suor, bronzeador e colônia "acqua fresca". Não dá para agüentar, nem a céu aberto e com vento!

Aqui em Genebra, evito a beira do lago nessa época. Está cheia de flores, cachorrinhos tosados, patinetes -  e de gente alegre, querendo tomar um pouco de sol em suas peles leitosas. Não sei de onde saem tantas pessoas sorridentes: não é a mesma Genebra! Onde foi parar a cidade cinzenta e quase deserta que se via há alguns poucos meses? Vai ver que foi dobrada e guardada bem no fundo do armário de São Pedro, de onde sairá, molhada e gelada, no próximo dezembro, espantando o coro dos contentes de volta para suas casas e lareiras.

Felizmente!


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12 junho 2012

10. A HORTA DA VELHINHA.

Acabei de sair, sob custódia, do famigerado hospital universitário, onde andei tomando uns choques e coletando material para contar novas histórias hospitalares no Macaco Alpino. Mas essas vão ficar para depois.

Hoje quero comentar uma coisa muito boa (eles têm coisas boas, sim, além do queijo e do chocolate!) que tenho visto e vivido por aqui: a democracia direta, ao vivo e a cores. E uma de suas filhas, a qualidade de vida. Aqui se vota em tudo, seja no âmbito nacional (Confederação Helvética), cantonal (Genebra) ou comunal (no nosso caso, Chênes-Bougeries).

Desde que chegamos, já presenciei diversas votações. Votou-se em que raças de cães deveriam ser banidas do cantão, na manutenção ou não das aulas nas quartas-feiras à tarde (ficaram), no aumento das férias para seis semanas ao ano (perdeu feio, em um país de pequenas empresas), no aumento da punição para vândalos e muitas outras.

Recentemente foi aprovada, em referendo público, uma alteração no zoneamento urbano para incluir zonas regulamentares para as zonas! Afinal, diziam, a prostituição é uma profissão legalizada e deve seguir as mesmas normas que as demais atividades, que sempre tiveram seus espaços delimitados.

No ano passado a comuna de Chênes-Bougeries foi eleita a mais florida do cantão. No início desse ano votou-se a manutenção do orçamento destinado ao ajardinamento, para tentar o bicampeonato. Perdeu. “Já ganhamos uma vez, é suficiente”, disse um votante. “Vamos dar oportunidade para as demais comunas e gastar o dinheiro em coisas mais importantes, como a criação de um apiário comunal”.

Termino com um caso emblemático. Uma construtora pediu autorização ao órgão equivalente à nossa prefeitura, para construir um predinho de 6 andares em nossa comuna. Uma senhora de idade, cuja casa ficava bem ao lado do terreno visado, saiu a campo coletando assinaturas para colocar o caso em votação popular. E conseguiu.

As duas partes então saíram em busca de eleitores que se dispusessem a votar - e que votassem em seu favor. A velhinha bateu de casa em casa, expondo suas razões - e ganhou a votação com larga margem. Seu argumento: o prédio faria sombra em sua horta e mataria as plantinhas que ela cuidava com carinho há décadas, e que, segundo ela, já estavam desde o tempo de seus avós, configurando (se não legalmente, ao menos moralmente) um direito adquirido.

Nada de predinho, então.

Quem vier a Genebra e quiser checar o que é qualidade de vida e a força da participação direta, dê uma passadinha pela casa da velhinha. Lá verá a pequena horta no lugar de sempre, na claridade do dia, gloriosamente dando seus tomatinhos, alfacinhas e salsinhas, como fazia há tanto tempo.


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03 junho 2012

9. INVENÇÕES SUÍÇAS.

Etnocêntrico, nos ensina seu Aurélio, é quem pensa que o mundo gira em torno do seu povo. Os suíços são um povo que tem certeza disso.
Para provar para si mesmos essa noção, escolheram viver no centro da Europa (sem contar a Rússia, um pequeno detalhe esquecido) e cá está a Suíça, o umbigo da Europa ocidental. Cheia de suíços grudados nele como um piercing, pensando ser o coração...
Assim como os umbigos, é pequena, está cercada de montanhas, é resquício de algo que foi importante mas hoje não é mais – e quem olhar lá dentro vai sempre encontrar alguma sujeirinha escondida.
Digo isso porque os suíços inventaram a conta bancária anônima, a prova definitiva que fortunas não têm nome – mas tem dono e deixam uma sobrinha boa para quem as guarda em nome dos que preferem não ter nome.
Este é um bom exemplo da forma suíça de agir: eles não são tão bons em inventar coisas, mas são ótimos em aprimorar as invenções dos outros. Veja só, os suíços:
· não inventaram o relógio - mas inventaram o relógio cuco.
· não inventaram a faixa de pedestres – mas inventaram os pedestres que atravessam na faixa.
· não inventaram o queijo – mas sim o buraco do queijo e o queijo derretido.
· não inventaram o cacau, nem o açúcar, nem o leite, nem mesmo o chocolate – mas inventaram o chocolate suíço e suas deliciosas versões com sal e com pimenta.
· não inventaram o canivete, mas sim a oficina mecânica dentro de um canivete.
· não inventaram a vaca, mas inventaram a sineta (cincerro) alpina.
· não inventaram o café nem a água – criaram o café solúvel.
· não inventaram o trem, mas sim o trenzinho elétrico.
· não inventaram a batata frita, mas aproveitaram aparas e sobras de molhos para inventar a batata suíça (a bem da justiça registre-se que eles não inventaram o “kreps” suíço).
Os exemplos são muitos e me levam a acreditar que uma pesquisa cuidadosa poderia revelar que outras coisas foram inventadas ou aprimoradas por eles a partir de coisas inventadas por povos menos empreendedores. Tais como:
· a cor cinza (que recobre todas as suas cidades)
· o pratinho de pendurar na parede
· a cruz vermelha, a cruz verde, a cruz azul, o crescente vermelho e a cruz branca, que teve de ser posta sobre fundo vermelho (testaram antes a cruz branca em fundo branco mas ficou meio sem graça até para eles mesmos).
· o exército pacífico e neutro (contradição em termos?)
· o bom selvagem, no qual acreditavam até terem dois missionários comidos pelos tupinambás, que descobriram assim o bom suíço.
· os estacionamentos subterrâneos de vários andares circulares, tipo parafuso – que fazem com que ao sair deles ninguém saiba para onde está virado, causando problemas no trânsito.
· a ciclovia no centro da rua, para os ciclistas poderem atrapalhar as duas mãos ao mesmo tempo.
· os túneis quilométricos ligando o nada a coisa nenhuma, por debaixo de montanhas  cortadas por belas rodovias.
· o cachorro que anda sozinho de ônibus (fala-se em um gato que anda sozinho de bicicleta)
· o sinal de trânsito que fica sempre no vermelho - e o que fica ligado simultaneamente no vermelho, amarelo, verde e branco.
·  s rígidas regras de silêncio e, quem sabe, o próprio silêncio.
Fico por aqui por falta de espaço no blog, mas não antes de relatar o melhor exemplo do modo suíço de inventar.
George de Mestral gostava de levar seu cachorrinho à caça mas aquele tirar-e-por de coleira no doguinho o cansava. Um dia, em 1948, George se irritou também com a quantidade de pico-pico grudado nas suas roupas e no pelo do cachorro. Ele pensou, pensou, juntou observação e aplicação - e estava inventado o velcro.
Em suma, um pico-pico sintético - devidamente patenteado, é claro. Riiiip!


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