27 outubro 2012

21. Um Parque de Cães e Cantores

Aqui perto de casa existe um parque especial para cães. Melhor seria dizer que é um parque para donos de cães. Acho que os canis canis, se tivessem escolha, prefeririam um parque onde os humanos ficassem cercados e os cães pudessem correr soltos pela cidade, mas como quem manda somos nós, eles relaxam e aproveitam.

Muitos moram em apartamentos; outros, mesmo morando em casas, não têm muita oportunidade de fazer contato direto com outros cães. Dessa forma, o parque para cães é uma grande ideia - e bem executada. Trata-se de uma parte de um parque maior, que foi bem cercada com tela alta, onde os donos podem deixar seus cachorros soltos sem medo de que vão para a rua e tentem atravessar fora da faixa de pedestres.

Nessa área protegida, a cachorrada corre à vontade, brinca, pula, cava, faz xixi sobre xixi, rola na grama e faz todas as outras coisas que cachorros fazem quando libertos de suas guias, em companhia de outros seres da mesma espécie. Os donos, enquanto seus amigos caninos se divertem, podem se sentar nas cadeiras de plástico espalhadas por toda a área, que podem ser colocadas ao sol ou à sombra, conforme o gosto do freguês e o humor de São Pedro. Existem algumas mesas também, para quem quiser usar para um piquenique ou para pentear seus pupilos ou as duas coisas juntas.

É interessante observar que cada pessoa que vai chegando solta seu cachorro e vai pegar uma cadeira, que geralmente posiciona de forma equidistante de duas outras cadeiras já ocupadas. É geométrico: quem chega traça uma bissetriz e é nessa reta que coloca seu assento. Nas horas de maior movimento o parque fica todo pontilhado, formam uma estampa bem simétrica. Sinal de que não sou só eu que gosta de isolamento! A regra só é quebrada pelos mais gregários, que preferem formar grupos de cachorreiros, provavelmente para contar as peripécias de seus adotados, como pais em festas de jardins de infância.

Além das cadeiras e mesas, o parque tem diversos outros equipamentos para facilitar a vida de seres humanos e caninos, como bicas com água fresca, recipientes com sacos plásticos “pega-bosta” à disposição para embalar cocô (de cachorro) e cestos de lixo para depositar o resultado.

Tudo muito limpo. Como na cidade, é muito mais difícil sujar um lugar bem limpo do que um sujo: sujeira atrai sujeira (“já tá sujo mesmo, o que é que tem eu jogar um papelzinho também?”) e lugares limpos tendem a se manter limpos; ninguém quer parecer o porcalhão e se arriscar a levar uma bronca de um cidadão zeloso (já vi isso em Curitiba). A limpeza do lugar só é quebrada por uma eventual cagada que ficou sem ser recolhida, sabe-se lá por que razão. Pode ser que o cão tenha conseguido fazer sem que ninguém tenha notado, o que é bem possível dado o tamanho do parque e a quantidade de árvores ali plantadas. Só sei que, se o dono nota, vai na hora recolher a massa - alguns sem se alterar, como se estivessem catando cogumelos, outros com cara de nojo, reclamando de seus pupilos. Em todo caso, vale a pena ficar atento às minas escondidas ou elas vão explodir em seus sapatos.

O parque é super seguro. Não existem guardas ou polícia por perto, mas pode-se ir lá a qualquer hora, sem qualquer problema. Eu levei a Luna lá à noite algumas vezes. Na primeira vez fiquei com aquela apreensão típica de quem traz na bagagem a experiência brasileira: tudo escuro, ninguém por perto, sombras estranhas… No Brasil eu jamais ficaria ali por mais de meio segundo. Aqui, logo me tranquilizei ao ver chegar uma senhora sozinha e se sentar calmamente para observar o seu beagle correr feliz junto com a Luna. Ouvi crianças brincado no parquinho e aí me livrei definitivamente do meu medo habitual de ser assaltado, morto e esquartejado.

O parque é muito bonito, uma ilha verde no meio de um bairro residencial com muitos prédios. Lugar bom para descansar e relaxar. Isto é, se não fossem algumas brigas esporádicas que pipocam aqui e ali. Os cachorros de pequeno porte são os mais encrenqueiros. Nunca vi os de grande porte brigarem por lá. Claro, se alguém tiver um São Bernardo agressivo não vai levar o bicho correr no parque! Ele iria comer um pincher por minuto e cuspir só as coleirinhas. As brigas de verdade são bem raras e curtas; o pior é quando se alastram e envolvem os donos. Aí sim a coisa pode complicar, como quando na escola os pais se envolvem nas brigas da piazada.

Um dos frequentadores me contou que num dia desses até a polícia teve de ser chamada para apartar uma briga entre duas distintas proprietárias de cãezinhos fãs de vale-tudo. Que pena, perdi essa! Fico com vontade de incentivar um pouco a discórdia, para quebrar a monotonia daquela paisagem tão pacífica.
- Olha, madame, não quero me intrometer onde não sou chamado, mas acho que seu meigo cachorrinho foi mordido por aquele outro ali, que é mal educado e agressivo e a dona não disse nada! Me parece que já é a terceira vez e ela simplesmente faz que não vê….que absurdo!

O parque é frequentado por uma fauna variada - canina e humana. Nota-s por muitos traços distintivos que se trata tanto de genebrinos quanto de estrangeiros, como por exemplo pelas diversas línguas faladas pelos donos e pelos cães. Pets de estrangeiros, principalmente latinos, tendem a ser mais barulhentos, não sei por que… E pelos nomes também: Cherry, Loup, Ma Belle e Loulou são com certeza cães de estrangeiros tentando parecer genebrinos, pois ninguém daqui daria nomes tão ridículos como esses.

Raças, já vi muitas, conhecidas e desconecidas, indentificáveis ou OVNIs caninos. Tirando as quinze raças banidas, as demais se esforçam para ter seus representantes desfilando no parque, seguindo a vocação diplomática internacional da cidade. Esta variedade engloba também os donos.

O parque abriga figuras estranhas: uma das mais conhecidas é a do cantor de ópera, proprietário de um dálmata calmo (e surdo!). Este senhor costuma subir em um banco e cantar, por horas a fio, sua música chatíssima com uma bela e potente voz. Eu fugiria correndo se estivesse em um teatro mas no parque até fica legal ouvir a cacofonia composta pelo canto e pelos uivos dos cachorros que ficam em volta do cantor, atraídos pelos sons inumanos que dele emanam.

Faz parte do treinamento obrigatório dos cães na Suíça a “socialização” com os outros espécimens e por isso o parque tem uma função claramente educativa. Se o seu cão consegue brincar solto com os outros sem morder ou ser mordido está razoavelmente socializado. Não sei o que me faz lembrar de uma creche… Todos os cães habitantes do cantão devem se comportar de forma civilizada, isto é, aceitando a proximidade de estranhos impassivelmente, sem demonstrar possíveis descontentamentos com a vizinhança.

A Luna, por esse critério, é uma dama: é interessada pelo sexo oposto mas evita trepadas no primeiro encontro. Na primeira ida ao parque, ela ficou aterrorizada com um pastor grandalhão e afoito, que insistia em se apresentar com fungadas nas suas partes privadas. Se ela se assustou com uma simples cheiradinha, não quero ver o que vai fazer quando a linguiça quiser ir para o forno. Em suma, ela é casta, tímida e arisca com os machos, como muitos pais gostariam que suas filhas adolescentes fossem…

Não sei se é porque ela é branca e brilha no lusco-fusco do parque, ou se é simplesmente por ser fêmea, o fato é que ela atrai a cachorrada como luzes atraem mariposas. Os machos, por seu lado, se comportam sem o mínimo senso de auto-crítica. Um bulldoguinho francês, daqueles de orelhas de morcego e formato de barrica de pinga, vive tentado montar na Luna apesar de faltarem uns 50 cm para ele chegar perto de onde mira. Num dia desses o peste resolveu dar vazão à sua frustração amorosa e deu vazão a seus líquidos fétidos sobre o caderno de notas que eu sempre levo para me distrair no parque. Lavei diversas vezes sob água corrente mas o cheiro não saiu e como as notas acabaram ficando, digamos, um tanto confusas de ler, acabei tendo de jogar o bloco fora.

Pena que em Curitiba não temos um parque como esse. Sei que no Museu do Olho (nome oficial dado ao local apelidado de Museu Oscar Niemeier) existe um jardim onde algumas pessoas soltam seus pets. Nunca levei os meus lá, então estou falando só de ouvir dizer e o que eu ouço dizer (pelas más línguas, as únicas que vale a pena ouvir) é que se trata mais de uma passarela de egos dos donos do que de lugar para recreação canina. Mesmo não sendo cercado é de qualquer forma um embrão e pode ser desenvolvido pela próixma administração municipal. Áreas verdes temos, cães não faltam.

Alguns cuidados, no entanto, serão necessários para adaptar esse projeto ao contexto cultural curitibano. Em primeiro lugar, dado o nível de educação da população canina local (e de alguns donos), uma ambulância ou UTI móvel para cães deverá estar semrpe disponível no local. Da mesma forma, pode ser construído um quiosque para advogados de porta de cadeia ofertarem seus serviços aos proprietários que quiserem resolver disputas territoriais herdadas de seus cachorros. Pensando bem, uma UPPC - unidade pacificadora de proprietários de cães - seria uma boa ideia também.

Em torno do parque poderia ser montado um shopping center completo (em plena sintonia com o modo curitibano de se distrair), contanto com uma grande variedade de hiper necessários produtos e serviços para cães e proprietários, tais como: aluguel de cachorros bonitos ou de raças exóticas para quem quiser levar o cão que não tem para passear; serviço de lava-rápido canino, com opções de lavagem pré e pós passeio; dog fast food com oferta de ossos diet e cupcakes de fígado - e até mesmo uma cooperativa de flanelinhas cinófilos, para cuidar dos cães enquanto os donos se sentam no café para fofocar à vontade.

Bem planejado, tal parque poderia render bons dividendos - mais ainda se o voto vier a ser estendido aos cães, como seria coerente. Afinal, seres irracionais continuam elegendo certos políticos, não é mesmo?