25 agosto 2012

17. VERÃO, ÁGUAS E BRASIBRINOS.

Os brasileiros genebrinos – brasibrinos, para encurtar – formam uma fauna variada de expatriados, todos meio doidos por terem vindo morar aqui. Como um grupo, somos meio estranhos, pois nos alternamos nos estados de euforia e depressão. Deprimidos ficamos quando batem as saudades de casa, dos amigos, da família, da praia, da comida... e eufóricos quando vemos de perto coisas que não temos por lá, como uma nevasca ou um bom salário.

O verão para mim é uma tortura, pois a estação traz todo tipo de praga: moscas, pernilongos, suor, preguiça, turistas e vizinhos barulhentos. Mas para a turma saudosa de suas praias, um calor de 35º é uma fonte de alegria. Em muitas situações, uma fonte real, não metafórica. A relação com a água é um fator distintivo dos brasibrinos - e nem falo nos banhos em casa, pois não sei se o não-hábito do banho diário cruzou as fronteiras com a vizinha França, mas sim da forma como nós tratamos as diversas formações aquáticas em Genebra.

A atração dos brasileiros por água fica evidente quando se observa as pessoas em torno de uma fonte. O genebrino é o que puxa um copinho dobrável, que cuidadosamente enche com a água da bica e bebe em pequenos goles ritmados. O estrangeiro toma ‘no bico”, jorrando água pelos cantos da boca e espalhando respingos nos outros com as mãos. O brasileiro é o que mergulha a cabeça na bacia da fonte, berra brrrrr e sai sacudindo a cabeleira feito um cachorro depois de sair do banho. Rindo, diz: ai que delícia! – e sai enxugando as mãos nos fundilhos do bermudão.

Brasibrinos são loucos que não percebem que moram no sopé dos Alpes e que o lago é composto por água derretida de geleiras, com temperatura quase igual, alimentado por rios que vêm diretamente das montanhas, brancos, espumando e rosnando como cachorros bravos. Pensando equivocadamente que o lago pode ser tomado como o mar do nordeste, azul e claro, caem na água congelante para se refrescar. E conseguem! Ficam refrescados para o ano todo, sempre espirrando e com narizes cor de rabanete escorrendo feito clara de ovo quebrado.

Outros (poucos) são mais atirados e vão nadar nos próprios rios de gelo recém-derretido, como o Arve, que passa aqui bem atrás de casa. É um rio de correnteza forte, acelerada, como se tivesse pressa de chegar no Rhône, onde deságua em plano centro da cidade. O Arve, que carrega material sedimentar e portanto de águas mais escuras, encontra o limpíssimo Rhône acabado de sair do lago Leman, formando a Junction, espécie de encontro das águas do Negro e do Solimões em bem menor escala. Talvez por isso atraia tantos brasileiros nos dias quentes e mesmo em finais de semana mais frios. O pessoal leva cães, gatos, crianças e sogras para nadar no rio, pescar na confluência e farofar nas margens.

Perto aqui de casa, o Arve é barrado por uma pequena usina hidrelérica. É proibido andar nas suas margens nas cercanias da usina e em locais onde as encostas são muito abruptas – na prática isso significa quase toda a extensão do rio na região. Um pouco acima da barragem formou-se uma pequena praia, com leito de pedras escorregadias. Acima e abaixo dessa prainha, só margens bem acentuadas e com mais placas avisando que é perigoso nadar ali do que árvores na mata ciliar.

Perfeito para a brasileirada! Bonito, “típico”, despoluído, meio deserto – e proibido! Tá prá nós!

Os brazuquinhas machos logo querem cair na água, e caem. Sendo mais claro: muitos caem das margens na água, meio sem querer, escorregando barranco abaixo, por conta própria, descuido ou empurrão. Outros caem por terem ido molhar a ponta dos pés, escorregado nas pedras lisas e ido parar na correnteza com um splash bonito de se ouvir. Claro que depois de meio segundo de contato com a água fria já querem voltar para onde vieram, fazendo brrrrrr como uma britadeira desregulada e com a pele feito frango depenado..

É um espetáculo e tanto, que sempre que posso vou assistir de camarote, sentado à sombra de uma bela árvore de onde tenho uma boa vista do campo de batalha. Ainda não cheguei a ver alguém sendo arrastado pela correnteza e cair da cachoeira (que deve ter uns dois metros) antes da represa da usina, mas ainda vou ver, se o calor continuar e o lugar ficar mais popular entre os meus afoitos compatriotas.

Um aspecto do ser feminino que eu ainda não consegui explicar, mas posso afirmar pela observação, é que as mulheres sentem mais frio do que os homens. Não precisa nem olhar, basta comparar os gritos de ‘brrrrr’, ‘que gelo!’, ‘tô congelando!’ emitidos logo depois da entrada na água por homens e por mulheres. Estas vencem em volume, altura e duração, sem fazer esforço. Sempre. Isto é, tem exceções - bem agudas, por sinal - mas isso só confirma a regra.

Quem for aos Bains de Paquis ou à Genève-Plage nessa época vai ver que mesmo meio azuis de frio, ficam no lago alguns jovens fazendo algazarra, transmutados em crianças arteiras, jogando água uns nos outros, pulando em um pé só e fazendo “cavalinho-de-guerra”, enquanto as namoradas tocam "ai se eu te pego" em um boombox.

Um show de alegria no verão suíço, que rezo para que passe logo e assim eu possa de novo me sentar tranquilo na beira do lago num dia cinzento, fresco - e silencioso.

09 agosto 2012

16. Hoje é terça, deve ser a Bélgica!

Muitos turistas brasileiros não se tocam que estão em outras terras, com outra cultura e outros costumes. Não são todos, é claro, mas muitos vêm para a Europa sem qualquer noção de onde estão ou do que esperar dos países que visitam, às vezes no ritmo de um por dia: “Hoje é terça, deve ser a Bélgica” é o titulo de um velho filme que me veio agora à cabeça.

A maioria quer tirar fotografias, posando em frente a monumentos e edificações famosas, produzindo e colecionando provas documentais de que realmente passaram por lá, para depois poder mostrar para os amigos – de preferência para os que ainda não puderam fazer a mesma viagem.

- Olha eu aqui, bem naquele castelo... como era mesmo o nome, amor? Foi na Alemanha ou em Berlim?
- Onde era eu não me lembro, querida...  mas lembro que era um castelão de pedra, meio medieval e tudo!

Por isso eu não consigo enxergar a relação (que muitos dizem que existe) entre turismo e cultura. Viajar pode ser só sair de seu pais e voltar carregado de bugigangas, sem ter mudado nada. Visitar uma biblioteca não desperta, por si, a vontade de ler.


Estava eu tranquilamente tomando um refri na beira do lago quando minha paz foi interrompida pela chegada de uma excursão – ó vida – de brasileiros. Ouvi uma senhora responder para alguém que tinha perguntado o que ela gostaria de beber:
- Eu tomo qualquer coisa, não quero incomodar, não... um suco, pode ser, de goiaba ou maracujá mesmo...

E uma outra dizendo para as companheiras:
- Vamos ver se naquela banca lá adiante tem coxinha ou um pastelzinho?

Pensam que é brincadeira? Não é, não. Juro e perjuro que é verdade.

Vi um senhor comprando para levar para o filho uma camiseta branca com a frase “Eu estive em Genebra” estampada no peito, sobre um desenho do jet d’eau em vermelho. O homem me pegou olhando e gentilmente ofereceu:

- Leve uma dessas para o seu filho também, ele vai gostar! Estão duas por 10 francos... a gente pode rachar. Por que não aproveita?
- Acho que não, obrigado - eu disse, caindo fora antes de ceder à vontade de responder:
- Não levo porque se eu pego meu filho usando uma dessas, tiro no tapa! Pensando melhor, se eu desse um desses horrores de presente, eu é que levaria os tapas – e merecidamente.

Eu sempre me surpreendo ao ver como os turistas, ao chegarem depois de quatro horas de viagem, a uma vilazinha suíça “típica”, são capazes de passar quinze minutos visitado o local e duas horas nas lojinhas que se amontoam na praça central, onde são vendidas vaquinhas de cerâmica made in china, canivetes, relógios de marcas famosas que ninguém conhece, tocas de lã com orelhas felpudas, pratinhos com o Matterhorn em relevo dourado e mais canivetes. Ainda não vi um relógio-cuco de pulso, mas deve ter um por aí, esperando para ser comprado por um brasileiro.

Cansados mas contentes com as aquisições, suas memórias mais leves por já terem esquecido por onde passaram, os excursionistas voltam para sua base em seu hotel em Genebra, com os quilos de chocolate que compraram logo no início do dia.

É bem fácil saber onde estão hospedados: basta seguir o rastro de chocolate. As lindas barras obviamente não agüentam o calor infernal no ônibus e tentam escapar das sacolas e mochilas, pingando por todos os vãos e costuras.

Mais tarde, devidamente banhados e arrumados (dando um descanso para as suadas camisas da seleção) os turistas canarinhos resolvem cair na noite genebrina. No início, saem procurando um bom lugar para comer um fondue, beber um vinhozinho, ouvir uma musiquinha e quem sabe até dançar. A noite de domingo promete!

Depois de três horas vagando pelas desertas ruas da cidade, sem achar nada (nada mesmo) aberto, já estão dispostos a comer um cachorrão no carrinho da esquina, engolido com cerveja quente, mas o cachorreiro – como todo mundo aqui - não trabalha no domingo.

O jeito vai ser comer as bolachinhas secas que foram dadas na excursão e guardadas na bolsa para uma emergência como essa. Para beber, compartilhando o único copo plástico, água da torneira, branca e com gosto de giz. Estão com sorte: essa, pelo menos, sai bem gelada!