07 julho 2012

12. TURISTAS

Quero dizer logo de cara que tem várias coisas que eu sei que sou, mas não me sinto. Isto é, não sinto ser certas coisas que sei que sou. Dentre elas: velho, brasileiro, rabugento – e turista.

Velho, vou me sentir só quando meu meio de transporte oficial (e único!) for um daqueles triciclos elétricos para gente grande. Brasileiro, eu? Não tomo café, não jogo futebol, não curto sol nem calor, não gosto de festa e não me visto de verde e amarelo para ver um jogo da seleção na TV... Rabugento? Se sou, como tantos dizem, tenho dúvidas; me sinto um pouco crítico em excesso, moderadamente.

Viajando de férias, não escapo de ser turista, mas não me julgo como tal. Sei que sou, mas não me sinto. Fico sempre observando aqueles seres estranhos, os turistas, (compostos de cabeça, tronco, membros e câmera) e seus gravadores ambulantes, os guias.

Eu gosto muito das igrejas góticas e sempre que posso vou visitar uma delas. O problema é que os turistas, ao encherem as igrejas em blocos barulhentos, seguindo um guia papagaiando informações inúteis, tiram qualquer possibilidade de uma experiência estética em qualquer lugar.

Por isso eu me ajoelho e rezo. Quem me vê pensa que eu sou uma pessoa bem religiosa. Mas não sou, não! O que eu rezo é algo assim: “Senhor dono dessa igreja, perdoai a minha chatice assim com não perdoo os que me têm incomodado; livrai-me das excursões e seus guias tagarelas e não me deixeis cair na tentação de entrar na lojinha na saída....”

Eu até gosto de dar uma olhada nas arapucas pega-turista montadas na saída de igrejas, museus e afins,em busca de preciosidades. Afinal, poucas obras de arte superam em impacto uma miniatura de Notre Dame, em gesso made in china, com a inscrição “eu estive em Paris” em letras vermelhas iluminadas a pilha.

Certa vez ganhei de presente de uma pessoa querida que tinha passado pela Polônia um busto de Chopin, de cara amarrada e olhar acusador, encostado em uma cabeça de cavalo que saía de um teclado de piano. Surreal mesmo. Até entendi a cara do homem: qualquer um estaria puto da vida em ser representado daquele jeito! Eu acho que a minha expressão não foi muito diferente quando abri o pacotinho e desembalei o presente...

Fora das lojinhas, identificar um turista em Genebra é a coisa mais fácil do mundo. Ba sta ver quem está com jeito de estar procurando algo por toda parte, sem achar. Olha para cá, olha para lá, para cima e para baixo, anda, volta para onde esteve, consulta um guia, olha em volta, consulta o guia de novo com cara de quem está achando que está na cidade errada... Pode escrever: é turista, coitado!

Ele demora um pouco para sacar que as descrições e fotos do guia que tem em mãos é que não correspondem à realidade que está observando. O livro é tão colorido! Mas a cidade que ele vê é toda cinza. Arrumadinha, pintadinha, parecendo um cenário. Um cenário pintado apenas com duas ou três latas de tinta: cinza, beije e um ocasional rosinha pálido ou amarelinho desmaiado.

Eu prefiro as cidadezinhas italianas, bem coloridas (cores fortes, vivas, em combinações corajosas), pintura velha e descascando, janelas caindo das dobradiças, roupas secando em varais esticados sobre a rua, gente berrando (dizem que estão apenas falando italiano) de uma casa para a outra. Autêntica decadência!

Reconheço que ser turista em Genebra não é nada fácil. Uma vez visto o lago e seu jato d’água, vai encontrar pouca coisa que valha a pena vir de longe para ver, socado em um ônibus de excursão, na companhia de atraentes nonagenárias tagarelas usando talco de alfazemas do século retrasado ou daqueles perfumes que ardem no nariz e deixam a roupa da gente tão "perfumada" (se alguém tem o azar de encostar em uma das moças) que não sai nem lavada com vinagre. Não é para qualquer um.

Não digo que não existem coisas bonitas aqui. Há muito verde, parques cuidados, canteiros com flores, rios limpos, ruas tranquilas, casarões escondidos em bairros sossegados ou pendurados nas encostas do lago, mas para quem vem procurando pontos turísticos equivalentes aos de outras cidades européias, Genebra vai deixar na mão.

Sua mais famosa atração, o Jet d’Eau, é uma cascata às avessas, água que sobe do lago para o ar como se o lago fosse uma enorme bexiga cheia de água que tivesse sido furada - isso quando seus operadores decidem ligá-lo, segundo esquemas que ninguém adivinha. Ouvi um turista brasileiro, mineiro pelo jeito, dizer para a companheira ao ver o famoso jato:
- É isso aí, é? Mas é só um repuxo metido besta, sô!

Claro que é bonito de se olhar o tal esguicho ao longe, enquadrado pela cidade e com as montanhas dos Alpes e do Jura ao fundo, em dias de céu azul e sem vento. Mas dias assim são raros e os turistas precisam de muita sorte para que aconteçam justo quando estiverem de passagem por aqui, para fotografarem-se em frente ao famoso jato. É mais seguro ir logo comprando um postal no aeroporto e depois fazer uma montagem no photoshop (como no filme Amelie Poulin). Afinal, todo cartão postal tem um ar de irrealidade.. .

Tirando o lago e o jato, o que resta? Bem, tem também o relógio de flores, igualzinho a tantos outros, bem sem sal. O legal é quando está sem flores, como no momento. Aí sim é uma atração original: um relógio de não-flores!

Tem ainda a cidade velha, pequena e escondida, com sua feia catedral há séculos sendo desfigurada por padres sem noção. Para os que gostam de compras, há uma rua de pedestres por onde trafegam inúmeros bondes, ônibus e bicicletas. De vez em quando até passam alguns pedestres, que devem ser turistas desavisados. Se preferirem, podem ir a um shopping popular, mas aviso que só vão encontrar duas redes de lojas, que ocupam o shopping todo: uma tal de SOLDES e sua concorrente SALE, ambas com preços de amargar.

O passeio de barco no lago Leman é muito popular. Penso que é porque os turistas querem sair logo de Genebra, mas como têm de esperar a excursão, tentam matar o tempo pulando em um bateau e indo visitar as villages da beira do lago. Coitados, não sabem o que os espera! O passeio começa em uma vila que se vê em quinze minutos, mas o turista acaba tendo de esperar duas horas pelo próximo barco que o levará para repetir o ciclo nas próximas cidadezinhas, sem nada de nada para fazer além de contar patinhos e roer as unhas.

Eu já tinha reparado que vez em quando chega alguém molhado no píer, mas não sabia por quê. Agora sei que esse turista resolveu voltar a nado, preferindo o risco de morrer afogado ou congelado do que de tédio.. .

Enquanto escrevo, me dizem por cima do ombro que estou fazendo propaganda negativa de Genebra. Beleza! Se funcionar, serão alguns turistas a menos na fila para comprar chocolate!


* leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo

13 comentários:

  1. E pensar que a primeira vez que o Antonio foi a Genebra, eu estava junto, há 35 anos... E o comportamento era o mesmo, entrando nas igrejas, evitando as lojinhas e reclamando dos turistas. E, ainda por cima, na Genebra de 1977 fomos pela primeira vez ao MacDonald's.

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    1. Que memória, Hélio! Eu me lebro bem da chegada e da primeira impressão da cidade (da qual, apesar de não parecer, eu gosto até hoje), mas do primeio lanche no MacDonald;s eu não me lembro.
      Para compensar, estive em Munique na semana passada e me lembrei bem da cidade estranhamente vazia, da pensão com paredes finas e dos lanches de pão vencido e azeitonas...

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  2. Caro Macaco Antoinio!!! Por favor não difame!!! O barzinho que eles têm, lá em frente ao "Jet d'eau" e bem pertinho do relógio das flores que você critica (tão parecido como o nosso da Praça Garibaldi) é uma verdadeira gracinha. Ele faz a gente se sentir como em casa, como se fosse "Lá no Pasquale".... Anônimo Godino Cabas.

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    1. É mesmo, Antonio! Só falta o pastel à milanesa e a feijoada de sábado...

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  3. 'italiano berrando é decadência'. ô toninho! vc pegou pesado!

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    1. Eu não disse isso, não! A frase no texto não é essa.
      Eu disse que as cidades italianas é que me parecem decadentes - charnosa e autenticamente decadentes - e eu gosto disso. Mas vou mudar a frase, para não levar umas pancadas de um anônimo na rua!

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    2. ah! nem precisa mudar, não. protestei porque meus ancestrais vieram da 'bota sporca'. hi, hi.

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  4. Adorei, como todas as outras que sempre dou um jeito de encontrar. Um abraço, com carinho. Tia Eny

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  5. Simão, ótima!!! Seu texto... cada vez mais refinado!!! por mais que queiramos pintar a Europa de ares mais sofisticados, à olho nu, é mais ou menos por ai mesmo!! kkk grande abraço!!!

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  6. Bárbaro. Embora eu tenha tido a sorte de assistir, na única vez que estive em Genebra, o "Jato Mineiro" em posição de sentido, e melhor, em pleno inverno, não posso deixar de reconhecer que o texto é muito mais "construído" que a bela cidade, agora desconstruída, de Genebra. Tomara que o teu livro não tarde a sair. Grande abraço.

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    1. Obrigado, Bernardo. O livfro está nos planos, aginal vai ser só juntar tudo, fazer uma capa e publi ar em .pdf!

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