A pontualidade
suíça não deve ser confundida com a britânica. Os britânicos contam o tempo em
segundos; os suíços em blocos de três semanas.
É fácil constar
isso, depois de algum tempo morando aqui. Qualquer serviço, público ou privado,
demora exatamente três semanas para ser realizado. Ou múltiplos dessa medida.
Fui descobrindo
aos poucos esse curioso traço da personalidade local.
Uns dois meses
depois da nossa chegada, fomos visitar algumas lojas de automóveis para
conhecer os modelos, preços e prazos. Eu comecei a estranhar quando na terceira
revenda seguida me disseram que o carro demoraria três semanas para chegar na
loja. Que coincidência, pensei eu. Depois vi que era uma resposta padrão, que
todos os revendedores usavam meio sem pensar, quase automaticamente.
Bem, finalmente
escolhemos uma boa oferta e, conformados com o prazo de entrega, aguardamos
pacientemente as três semanas previstas e fomos buscar o carro. Beleza, pensei,
agora é só ver com eles onde emplacar e sair dirigindo. Que nada. Fui avisado
que só poderíamos tirar o carro dali depois de emplacado. E quanto tempo demora
isso? perguntei, inocentemente. Adivinhem a resposta: três semanas, é claro... E
foi esse o tempo que nosso novo veículo ficou ali, branquinho e brilhando, não
em um pátio qualquer, mas bem no centro da loja, aguardando placa e paciência.
Coisas semelhantes
foram acontecendo nos meses seguintes, em inúmeras outras situações, desde
entrega de encomendas, vistoria de seguros, conserto de aquecimento – e até mesmo na policia, onde uma
amiga foi registrar a perda de uma carteira com documentos.
É melhor a senhora
esperar um pouco antes de dar queixa, madame. Pode ser que alguém encontre sua
carteira e entregue em um achados e perdidos. Por favor, aguarde umas três
semanas e retorne aqui, se necessário. Bon jour!
Para que não
restasse qualquer dúvida de que coincidência alguma, em todo o universo,
poderia explicar esse fenômeno, teve mais essa.
Depois de, é
claro, três semanas, um senhor apareceu lá em casa para instalar TV a cabo e
acesso à internet. Estudou fiação e cabeamento e me disse, educadamente, que
não iria poder terminar a instalação pois faltava um conector para a versão HD
do pacote que tínhamos comprado. Não se preocupe, me disse ele, todo atencioso.
Vou fazer o pedido agora e volto assim que a peça chegar, em....
- ... três semanas!
disse eu, no ato.
Desculpe, eu não
sabia que o senhor já era nosso cliente... Que bom, o senhor já está bem familiarizado
com os nossos procedimentos!
Sim... e como !
pensei com meus botões.
É assim até em
coisas que são do interesse das próprias empresas e pessoas, como no envio de cartões,
entrega de contas e cobrança de faturas.
Duas tentativas de
explicação vieram à minha mente, antes de eu atinar com outra mais plausível.
A primeira é histórica:
baseia-se em um número mágico talhado em um menir a gerações e gerações pelos
druidas das primeiras tribos helvéticas, os doidos que passaram os Alpes vindos
sabe-se lá de onde. Conta a lenda que a tribo, gelados e cansados pela escalada,
parou para descansar à beira de um dos lagos e todos pediram um chocolate
quente para se esquentar. Como a beberagem demorou três semanas para ser servida,
os três sobreviventes resolveram ficar e nunca mais foram embora. Daí a prática
do prazo padrão, desde os fundadores.
A segunda é mais
científica: trata-se de pura programação genética. Está escrito no DNA suíço
e eles não podem fazer nada a
respeito, pois são gens hereditários e dominantes. Descobriu-se que são ativados
na terceira semana de vida, quando o bebê descobre que chegou a hora da
primeira mamada.
Isso explica por
que os suíços investem tanto em pesquisa genética: andam querendo descobrir uma
forma de ampliar a influência daqueles gens para quatro semanas, ganhando um
tempinho para os imprevistos.
A terceira é mais
mundana: são sempre três semanas porque duas semanas é pouco tempo para se
fazer qualquer coisa, na Suíça. Tudo aqui é devagar, quase parando. Ou melhor,
parado – só anda depois de ..... nem vou dizer para não ficar repetitivo.
A paciência é equipamento de sobrevivência por
estas bandas. Sei disso, mas uma vez quase perdi a dita cuja. Foi quando um
técnico apareceu, pela terceira vez, para fazer medições visando a instalação
da fibra ótica prometida pela companhia há tempos. Virou, mexeu e me disse que
teria de retornar para finalizar o serviço.
- O senhor não vai
me dizer outra vez que vai demorar mais três semanas, não é? – falei, vermelho
pelo esforço de conter o berro indignado.
Ele colocou a mão
no queixo, me olhou calmamente e me disse, meio à inglesa:
- Não senhor, fique
tranqüilo. Penso que seria seguro, diria até bem razoável, o senhor não esperar
a instalação em prazo menor do que um ano...
Ah, que alivio! Se
ele tivesse dito “oui, trois semaines” eu não esperaria o prazo regular: teria
esganado o homem ali mesmo, na hora.
Mas como tudo é
feito na maior civilidade e você é sempre tratado com toda a educação, fica bem
difícil reclamar da demora inexplicável e injustificável. Como ralhar em altos brados
com uma senhora delicada e atenciosa, que diz tão civilizadamente para você:
- Meu caro senhor,
pode voltar daqui a três semanas que já (sic) teremos a bateria do seu relógio
trocada. Desolada, estamos com muitos serviços nessa época... mas não se preocupe,
a nova é de excelente qualidade!
Não dá para
rebater assim:
- Não se incomode, madame, estou meio com pressa e por isso vou
eu mesmo até a China buscar uma bateria nova, mesmo que seja de segunda linha”.
Ou com a
secretária do cardiologista que diz, toda solícita:
- Sim, senhor,
compreendo bem. Essa arritmia não é nada boa.. Já que é urgente, pode vir em
três semanas que o doutor vai lhe atender.
É melhor resistir
à tentação de responder:
- Obrigado pela
gentileza, mademoiselle. Terei prazer em comparecer, se estiver vivo até lá... Caso
contrário, agradeça ao doutor por mim, d’accord?
* leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo
* leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo
Acho que grande parte de seus leitores podem ser contaminados com essa vagareza suíça e preguiçosamente se manifestarem somente daqui a... três semanas!!
ResponderExcluirHaja paciência! Volte à sua pátria, Antonio, volte.
Volto sim, Abel. Pode demorar um ano ou quatro, mas a volta está nos planos. O problema é se vão me aceitar por aí...
ExcluirToni, estou duvidando um pouco. Vou precisar ouvir uma segunda opiniáo....
ResponderExcluirA Mari e o Felipe são testemunhas! Claro que há uma pequena "licença narrativa"...
ExcluirSimão, vc escreve maravilhosamente bem. Tanto que já fiquei com raiva dessa lezera suiça. Cara, odeio a burocracia e me dá nos nervos quando algo que pode ser resolvido na hora (trocar a bateria de um relogio) é deixado para fazer depois... e o tempo segue. meudeusdocéu. Guri, abração a voce e assim que vc voltar eu lhe pago minha divida hehe, ou se quiser, me diga como proceder que envio pra vc a grana. abração. Marcos
ResponderExcluirObrigado, Marcão. E pode me pagar a dívida com "dois pastel e uma wimi" na feira, quamdo eu estiver por aí!
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