16 julho 2012

13. O MISTÉRIO DAS ‘TROIS SEMAINES’



A pontualidade suíça não deve ser confundida com a britânica. Os britânicos contam o tempo em segundos; os suíços em blocos de três semanas.

É fácil constar isso, depois de algum tempo morando aqui. Qualquer serviço, público ou privado, demora exatamente três semanas para ser realizado. Ou múltiplos dessa medida.
Fui descobrindo aos poucos esse curioso traço da personalidade local.

Uns dois meses depois da nossa chegada, fomos visitar algumas lojas de automóveis para conhecer os modelos, preços e prazos. Eu comecei a estranhar quando na terceira revenda seguida me disseram que o carro demoraria três semanas para chegar na loja. Que coincidência, pensei eu. Depois vi que era uma resposta padrão, que todos os revendedores usavam meio sem pensar, quase automaticamente.

Bem, finalmente escolhemos uma boa oferta e, conformados com o prazo de entrega, aguardamos pacientemente as três semanas previstas e fomos buscar o carro. Beleza, pensei, agora é só ver com eles onde emplacar e sair dirigindo. Que nada. Fui avisado que só poderíamos tirar o carro dali depois de emplacado. E quanto tempo demora isso? perguntei, inocentemente. Adivinhem a resposta: três semanas, é claro... E foi esse o tempo que nosso novo veículo ficou ali, branquinho e brilhando, não em um pátio qualquer, mas bem no centro da loja, aguardando placa e paciência.

Coisas semelhantes foram acontecendo nos meses seguintes, em inúmeras outras situações, desde entrega de encomendas, vistoria de seguros,  conserto de aquecimento – e até mesmo na policia, onde uma amiga foi registrar a perda de uma carteira com documentos.

É melhor a senhora esperar um pouco antes de dar queixa, madame. Pode ser que alguém encontre sua carteira e entregue em um achados e perdidos. Por favor, aguarde umas três semanas e retorne aqui, se necessário. Bon jour!

Para que não restasse qualquer dúvida de que coincidência alguma, em todo o universo, poderia explicar esse fenômeno, teve mais essa.

Depois de, é claro, três semanas, um senhor apareceu lá em casa para instalar TV a cabo e acesso à internet. Estudou fiação e cabeamento e me disse, educadamente, que não iria poder terminar a instalação pois faltava um conector para a versão HD do pacote que tínhamos comprado. Não se preocupe, me disse ele, todo atencioso. Vou fazer o pedido agora e volto assim que a peça chegar, em....

- ... três semanas! disse eu, no ato.

Desculpe, eu não sabia que o senhor já era nosso cliente... Que bom, o senhor já está bem familiarizado com os nossos procedimentos!

Sim... e como ! pensei com meus botões.

É assim até em coisas que são do interesse das próprias empresas e pessoas, como no envio de cartões, entrega de contas e cobrança de faturas.

Duas tentativas de explicação vieram à minha mente, antes de eu atinar com outra mais plausível.

A primeira é histórica: baseia-se em um número mágico talhado em um menir a gerações e gerações pelos druidas das primeiras tribos helvéticas, os doidos que passaram os Alpes vindos sabe-se lá de onde. Conta a lenda que a tribo, gelados e cansados pela escalada, parou para descansar à beira de um dos lagos e todos pediram um chocolate quente para se esquentar. Como a beberagem demorou três semanas para ser servida, os três sobreviventes resolveram ficar e nunca mais foram embora. Daí a prática do prazo padrão, desde os fundadores.

A segunda é mais científica: trata-se de pura programação genética. Está escrito no DNA suíço e  eles não podem fazer nada a respeito, pois são gens hereditários e dominantes. Descobriu-se que são ativados na terceira semana de vida, quando o bebê descobre que chegou a hora da primeira mamada.

Isso explica por que os suíços investem tanto em pesquisa genética: andam querendo descobrir uma forma de ampliar a influência daqueles gens para quatro semanas, ganhando um tempinho para os imprevistos.

A terceira é mais mundana: são sempre três semanas porque duas semanas é pouco tempo para se fazer qualquer coisa, na Suíça. Tudo aqui é devagar, quase parando. Ou melhor, parado – só anda depois de ..... nem vou dizer para não ficar repetitivo.

A paciência  é equipamento de sobrevivência por estas bandas. Sei disso, mas uma vez quase perdi a dita cuja. Foi quando um técnico apareceu, pela terceira vez, para fazer medições visando a instalação da fibra ótica prometida pela companhia há tempos. Virou, mexeu e me disse que teria de retornar para finalizar o serviço.

- O senhor não vai me dizer outra vez que vai demorar mais três semanas, não é? – falei, vermelho pelo esforço de conter o berro indignado.

Ele colocou a mão no queixo, me olhou calmamente e me disse, meio à inglesa:
- Não senhor, fique tranqüilo. Penso que seria seguro, diria até bem razoável, o senhor não esperar a instalação em prazo menor do que um ano...

Ah, que alivio! Se ele tivesse dito “oui, trois semaines” eu não esperaria o prazo regular: teria esganado o homem ali mesmo, na hora.

Mas como tudo é feito na maior civilidade e você é sempre tratado com toda a educação, fica bem difícil reclamar da demora inexplicável e injustificável. Como ralhar em altos brados com uma senhora delicada e atenciosa, que diz tão  civilizadamente para você:

- Meu caro senhor, pode voltar daqui a três semanas que já (sic) teremos a bateria do seu relógio trocada. Desolada, estamos com muitos serviços nessa época... mas não se preocupe, a nova é de excelente qualidade!

Não dá para rebater assim:

- Não se incomode, madame, estou meio com pressa e por isso vou eu mesmo até a China buscar uma bateria nova, mesmo que seja de segunda linha”.

Ou com a secretária do cardiologista que diz, toda solícita:

- Sim, senhor, compreendo bem. Essa arritmia não é nada boa.. Já que é urgente, pode vir em três semanas que o doutor vai lhe atender.

É melhor resistir à tentação de responder:

- Obrigado pela gentileza, mademoiselle. Terei prazer em comparecer, se estiver vivo até lá... Caso contrário, agradeça ao doutor por mim, d’accord?




* leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo

6 comentários:

  1. Acho que grande parte de seus leitores podem ser contaminados com essa vagareza suíça e preguiçosamente se manifestarem somente daqui a... três semanas!!

    Haja paciência! Volte à sua pátria, Antonio, volte.

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    1. Volto sim, Abel. Pode demorar um ano ou quatro, mas a volta está nos planos. O problema é se vão me aceitar por aí...

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  2. Toni, estou duvidando um pouco. Vou precisar ouvir uma segunda opiniáo....

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    1. A Mari e o Felipe são testemunhas! Claro que há uma pequena "licença narrativa"...

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  3. Simão, vc escreve maravilhosamente bem. Tanto que já fiquei com raiva dessa lezera suiça. Cara, odeio a burocracia e me dá nos nervos quando algo que pode ser resolvido na hora (trocar a bateria de um relogio) é deixado para fazer depois... e o tempo segue. meudeusdocéu. Guri, abração a voce e assim que vc voltar eu lhe pago minha divida hehe, ou se quiser, me diga como proceder que envio pra vc a grana. abração. Marcos

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  4. Obrigado, Marcão. E pode me pagar a dívida com "dois pastel e uma wimi" na feira, quamdo eu estiver por aí!

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