28 julho 2012

14. TRIBOS BRAZUCAS 1ª parte.

É bem interessante observar a paisagem etnográfica brasileira em Genebra. Até onde eu pude perceber, são três as grandes tribos brazucas aqui.

A primeira é a tribo, cada vez mais numerosa, dos brasileiros que aportam em terras genebrinas em busca de trabalho, ou melhor, de dinheiro. Não está incluída aqui aquela pequena minoria que vem em busca do seu próprio dinheiro, nos bancos suíços.

A segunda é mais high end, composta pelos diplomatas e pelo pessoal que vem trabalhar por uns tempos nos organismos internacionais com sede em Genebra, como a OMS (Saúde), OIT (Trabalho), WIPO (propriedade intelectual) a Cruz Vermelha e dezenas de outras. Essa tribo sofre críticas dos suíços porque não paga impostos mas se beneficia de todos os serviços públicos – o que, convenhamos, não é justo, mas quem está nessa categoria diz que essa é uma boa fórmula para o governo não desperdiçar os seus impostos: basta não recolher nada.

Um bom número de executivos, engenheiros e técnicos de empresas multinacionais com filiais no Brasil também cabem nesse primeiro grupo – mas esses pagam (imagino) seus impostos e levam uma vida à parte das outras tribos.

A terceira é a tribo dos turistas e estudantes “de intercâmbio” (sinônimos, para todos os efeitos). Vou comentar todas em posts próprios, começando hoje com a primeira, a dos ‘brazucas’.

Esta tribo é a mais corajosa. A maioria não fala nada de francês - nem de alemão ou italiano, idiomas oficiais, ou de inglês, a língua franca dos expatriados. Poucos sabem alguma coisa sobre o país para onde estão vindo e, sem falar o idioma e sem qualificação, só conseguem os trabalhos que não demandam expertise, geralmente braçais, sazonais, flutuantes, como o de diarista, ajudante de cozinha, mão de ajuda nos vinhedos e similares. Vida dura – mas, como disse um recém chegado, “comparada com o quê?”

Depois de um certo tempo aqui, alguns partem para a prestação de serviços para os demais brasileiros e tem até quem montou seu próprio negócio. Para cada um que deu certo, no entanto, existem vários que deram com os burros n’água; mas isso não é nada diferente do que acontece no Brasil e assim o pessoal não se abate e parte para outra, na terrinha brasilis ou em outros locais extranacionais.

Por falar em negócios, soube de um caso interessante. Os suíços são um povo tão estranho que nem as crianças gostam de coisas doces. Já os brasileiros... Duas brasileiras montaram aqui um negócio que parecia muito promissor: fazer doces para festas infantis. Pesquisaram e vira m que não havia nada de doces para aniversários, nem nos supermercados, nem nas panificadoras ou mesmo nas chocolaterias, só alguns bolos ruins e sem graça. Compraram então panelas e ingredientes, fizeram um panfleto e logo tiveram a primeira encomenda.

Depois dos parabéns, as crianças atacaram os docinhos e ... cuspiram tudo, no chão, nas paredes e nas outras crianças, fazendo caretas como se tivessem comido jiló (ou o equivalente deles)!

Acharam insuportavelmente doces os lindos brigadeiros, dois-amores e cajuzihos tão caprichadamente preparados pelas meninas com as receitas de suas avós (já falecidas, coitadas, diabéticas e obesas). As moças faliram por choque cultural.

Outras iniciativas dão muito certo: um dos empregos em alta é o de pastor – já tem muitos por aqui, pastoreando esperanças e sonhos dos emigrados. O de pinguceiro também, pois a ‘caipirina’ é um drink bem popular nos botecos da região

Depois de alguns anos nestas quebradas, muitos brazucas desenvolvem um estranho dialeto, uma mistura inusitada de português brasileiro, com expressões regionais, francês, inglês e outras menos cotadas. Um exemplo, que ouvi com esses ouvidos moucos:

- Seu Antonio, to aperreado. Não deu pra mim chegar antes porque eu já tava no bus quando vi que tinha esquecido a minha carte d’abbonement e tive de voltar lá no parking onde eu tinha ido fazer um replacé no weekend. Aí tive de pegar o tram, descer na place ali do lado da Mairie e vir picando a mula. No caminho ainda passei no marché e comprei uns produits de bricolage pra gente ajeitar umas coisinhas na salle de bains ... Se o senhor puder me voltar la monnaie, eu agradeço beaucoup!

Um comentário:

  1. Simão, li suas últimas duas crônicas e elas estão, como sempre, com o tempero certo (a do Bom Conselho, com um pouco de pimenta, o que texto certamente exige!).

    Valeu!!

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