12 junho 2012

10. A HORTA DA VELHINHA.

Acabei de sair, sob custódia, do famigerado hospital universitário, onde andei tomando uns choques e coletando material para contar novas histórias hospitalares no Macaco Alpino. Mas essas vão ficar para depois.

Hoje quero comentar uma coisa muito boa (eles têm coisas boas, sim, além do queijo e do chocolate!) que tenho visto e vivido por aqui: a democracia direta, ao vivo e a cores. E uma de suas filhas, a qualidade de vida. Aqui se vota em tudo, seja no âmbito nacional (Confederação Helvética), cantonal (Genebra) ou comunal (no nosso caso, Chênes-Bougeries).

Desde que chegamos, já presenciei diversas votações. Votou-se em que raças de cães deveriam ser banidas do cantão, na manutenção ou não das aulas nas quartas-feiras à tarde (ficaram), no aumento das férias para seis semanas ao ano (perdeu feio, em um país de pequenas empresas), no aumento da punição para vândalos e muitas outras.

Recentemente foi aprovada, em referendo público, uma alteração no zoneamento urbano para incluir zonas regulamentares para as zonas! Afinal, diziam, a prostituição é uma profissão legalizada e deve seguir as mesmas normas que as demais atividades, que sempre tiveram seus espaços delimitados.

No ano passado a comuna de Chênes-Bougeries foi eleita a mais florida do cantão. No início desse ano votou-se a manutenção do orçamento destinado ao ajardinamento, para tentar o bicampeonato. Perdeu. “Já ganhamos uma vez, é suficiente”, disse um votante. “Vamos dar oportunidade para as demais comunas e gastar o dinheiro em coisas mais importantes, como a criação de um apiário comunal”.

Termino com um caso emblemático. Uma construtora pediu autorização ao órgão equivalente à nossa prefeitura, para construir um predinho de 6 andares em nossa comuna. Uma senhora de idade, cuja casa ficava bem ao lado do terreno visado, saiu a campo coletando assinaturas para colocar o caso em votação popular. E conseguiu.

As duas partes então saíram em busca de eleitores que se dispusessem a votar - e que votassem em seu favor. A velhinha bateu de casa em casa, expondo suas razões - e ganhou a votação com larga margem. Seu argumento: o prédio faria sombra em sua horta e mataria as plantinhas que ela cuidava com carinho há décadas, e que, segundo ela, já estavam desde o tempo de seus avós, configurando (se não legalmente, ao menos moralmente) um direito adquirido.

Nada de predinho, então.

Quem vier a Genebra e quiser checar o que é qualidade de vida e a força da participação direta, dê uma passadinha pela casa da velhinha. Lá verá a pequena horta no lugar de sempre, na claridade do dia, gloriosamente dando seus tomatinhos, alfacinhas e salsinhas, como fazia há tanto tempo.


 * leia abaixo as crônicas anteriores ou no Arquivo

3 comentários:

  1. Muito legal, Antônio.

    Retomou as leituras do Macaco Alpino e tenho me divertido com o que escreves.

    Gostei da velhinha e a luta pela sua horta.

    Quanto ao calor, felizmente não nos deixam experimentar o que seja o frio aquilo pela Amazônia. Portanto, estamos imunes à comparação entre as estações, conforme o padrão suiço... Por aqui continua fazendo calor e chovendo, alternadamente, com alguma friagem em raros dias. Saudavelmente!!

    Abraços

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  2. Excelente texto, Simão! Um exemplo de atitude que poderia ser mais difundido em Curitiba, cidade que vê suas hortas, casas antigas e jardins centenários destruídos e impermeabilizados, sem qualquer discussão ou avaliação crítica mais aprofundada.

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  3. Fantástica a possibilidade que t6em os suiços, através de votação, plebiscitos ou o que for, de ver respeitados seus direitos, por mais mais estranhos que possam parecer. A horta deve ser muito boa. Tem abóboras no verão?

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