03 setembro 2012

18. O PORTUGUÊS HELVÉTICO.

O título completo desse post deveria ser "O português helvético: como ser literal na terra da precisão", mas faltou espaço.

Brasileiros se divertem contando piadas de português, nas quais os nossos irmãos lusitanos são caricaturas vivas de uma típica.... simplicidade, digamos. Eu gosto mais de contar alguns casos presenciados pessoalmente, ou ouvidos de fontes seguras, que revelam uma característica marcante do povo português: a sua tendência a interpretações literais. Veja só do que eu estou falando.

Um amigo com quem convivemos muito tempo no Brasil estava vindo para Genebra em um vôo Brasília-Lisboa, com conexão para cá. Na altura da “refeição”, a aeromoça pergunta para o nosso amigo:

- O senhor aceita o jantar?
- Aceito, obrigado. Qual são as opções? pergunta ele.
E a portuguesa responde:
- Sim – ou não...

Esse tomar das palavras pelo seu valor nominal causa embaraços mil para os brasileiros que tentam se comunicar com os lusitanos genebrinos. Entrei em uma mercearia portuguesa há umas semanas atrás, procurando alguns produtos brasileiros que eles sempre têm por lá e reproduzo o dialogo com a dona da loja. Quase ipsis literis...

- Bom dia. A senhora tem azeite de dendê?
- Tenho sim. E ficou parada, me olhando com um semi sorriso.
- A senhora poderia ver para mim?
- Ora veja o senhor mesmo: está ali bem em cima, disse, apontando para a prateleira atrás dela.
- Sim, estou vendo, falei meio irritdo, mas a senhora poderia apanhar para mim?
- Poderia, sim, se o senhor acaso mo pedisse.
- Estou pedindo! Por favor, eu quero comprar aquela garrafinha ali!!!
- Pois não. Agora o senhor está sendo claro... São três francos e vinte centimes.
- Está bem, aqui estão... quatro francos.
- Eu não tenho troco, então serão quatro francos.
- Mas a senhora não pode cobrar a mais só porque a senhora não tem troco!
- Posso sim, o que não posso é vender com prejuízo. Isto é um magazin de importados, não uma casa de caridade!
- Não, assim não dá, onde já se viu! Eu pago três francos e depois trago os vinte centavos.
- O senhor está pensando que somos um banco, para dar-lhe crédito?
- Então não levo, pronto! disse eu, indignado. Ao sair da loja, ouvi a literal senhora dizer para alguém que devia estar atrás daquela inevitável cortina que dá sabe-se lá para onde:
- Estes brasileiros são assim mesmo. Fazem a gente perder tempo e saem sem levar nada. Pensam que estamos para brincar aos merceeiros...

Quem vier do Brasil para a Suíça tem de tomar muito cuidado com o que comenta com outro brasileiro em público, porque as chances de que alguém que estiver por perto entenda português é muito grande. A população portuguesa é a terceira maior dentre as de origem estrangeira na Suíça, quase igual às italiana e alemã (1ª e 2ª). Se somada ao crescente número de brasileiros e lusófonos africanos, dá para arriscar que aproximadamente uma a cada dez pessoas daqui entende português o suficiente para te dar uma resposta atravessada - ou um plantar um tapa na tua orelha – se você fizer algum comentário desairoso. Segure a língua!

Uma brasileira me contou que sua mãe venho visitá-la e quando estavam ambas no tram, entra um senhor e dá um forte esbarrão na senhora, sem se desculpar. Ela reclama para a filha, bem alto:
- Nossa, que grosso!
Ao que o homem replica, em bom português:
- Ora pois, a senhora sentiu?

Nossos irmãos de além-mar (aqui o certo seria dizer “aquém-mar”) não são muito conhecidos por sua gentileza, o que destoa do contexto suíço. Posso estar generalizando injustamente, mas vivi uma situação dessas e posso atestar.

Estava eu em um prédio comercial, procurando um escritório em um longo corredor. Como aqui eles não usam números, mas sim nomes, eu tive de ir de porta em porta tentando ler as plaquinhas no escuro do corredor. De uma delas saiu uma mulher, deu de cara comigo, se assustou um pouco mas disse, a la suisse:
- Pardon, monsieur! Desolée...
Mais adiante, um jovem, ao sair de outro escritório, me deu uma leve esbarrada mas logo me falou, britanicamente:
- I’m so sorry!
Aí sai do elevador um senhor apressado, me dá um encontrão daqueles de deslocar a clavícula, me arremessando até a parede oposta e ainda me diz, em português bem português:
- Ó pá, não vês por onde andas?

Mudando um pouco o foco, vejam o que me contou um amigo na semana passada. Tendo se mudado para Genebra há seis meses, ele já estava morando no ap que tinha alugado mas ainda aguardava a chegada da mudança - e nada de notícias. Cansado de tanto esperar suas coisas e de ligar para a companhia brasileira de despacho, finalmente ele consegue localizar a mudança, que estava parada há meses no depósito de uma empresa portuguesa em Lisboa, com o inspirado nome de... Transportadora Senhora da Agonia!

Só faltou ser na rua Senhor dos Aflitos. Essa transportadora disputa o troféu de nome mais “português” com a Funerária da Boa Hora e Ajuda, também em Lisboa e o Hotel Residencial O Cortiço, em Beira. A campeã brasileira é a empresa de instalações elétricas Armagedon, de Curitiba! Bem, estou desviando do assunto...

Eu ia dizer que os negócios portugueses em Genebra têm nomes como Retardo Magazin de Vins (quem, o dono ou o freguês?) e Demolidora e Construtora Silveira (se fosse o contrário seria um problema!). Os nomes de restaurantes portugueses, por exemplo, variam do óbvio (Le Portugais) ao inescrutável (Les Schtroumpfettes!).

Esse jeito português de dar nomes literais aos bois chega até às profissões. Li, no placar médico externo de uma clínica aqui em Genebra: Dra. Cláudia Barriga - Medicina Interna. E notei mais adiante: Dr. Plauto Machado – Ortopedia. Procurei, e não achei, o nome do proctologista - mas fiquei imaginando!

Enfim, as histórias são muitas e os causos abundantes. Com casos assim, quem precisa de piadas prontas?

4 comentários:

  1. Ainda estou, agoniado, a aguardar manifestações da Senhora da Agonia...
    De qualquer jeito, sua crônica me trouxe uma preciosa sugestão: quem sabe se eu não acendo uma vela ao Senhor dos Aflitos?
    De todo modo, faltou dizer que, apesar da truculência, os portugueses são pau para toda obra... Interpretações ao gosto (e malícia) do leitor :-)

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  2. Ótima!
    E acredito que em qualquer cidade no exterior temos que cuidar do que falamos! Tewnho um conhecido que fala russo e, numa esquina, no Rio de Janeiro, chingou em russo. A mulher ao lado, respondeu!!!

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  3. Adorei! Realmente, as piadas que conhecemos são bem inocentes e longe da sua realidade. Mas tem um parente nosso que procurava uma rua numa cidade em Portugal. Perguntou a um passante e ele, simplesmente, respondeu: Não é esta aqui... e foi embora.
    Td em paz, meu sobrinho? Beijos a vc e família!(tia eny)

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